A reivindicação por um marco legal para regular as
relações entre o Estado e as organizações da sociedade civil é bem antiga no
país. Remonta aos anos 1980, quando o movimento ainda engatinhava e não se
previa o seu crescimento e a relevância de sua atuação para o avanço dos
direitos e da cidadania no país.
A plataforma apresentada promove, em resumo, um
controle maior sobre o repasse de recursos, menor burocracia para ter acesso a
ele e maior transparência na prestação de contas, com a parceria adquirindo a
forma de “contrato” com o Estado. As regras também ajudam as organizações a
buscar financiamento junto a outros mecanismos da sociedade.
As denúncias envolvendo justamente esse tipo de
repasse de recursos aceleraram a elaboração do projeto de lei e o grupo de
trabalho conseguiu mobilizar um conjunto relevante de gestores públicos,
juristas e líderes sociais, que elaboraram propostas para melhorar a relação
das entidades sem fins lucrativos com os órgãos do Estado.
O que diz o projeto
A grande conquista desse projeto de lei é criar um
regime diferenciado para reger contratos entre o poder público e as organizações
da sociedade civil. Até agora, a figura jurídica que rege essa relação é o
convênio. Mas ele não é adequado, porque foi feito para regular a relação do
governo federal com os Estados e municípios. Assim, as OSCs, nesse tipo de
contrato, são obrigadas a cumprir as regras dos municípios, como licitar três
fornecedores antes de qualquer compra e não poder usar a verba recebida para
custeio.
Não reconhecendo que a natureza de uma OSC é
diferente, o convênio não permite, por exemplo, o pagamento de pessoal com a
verba recebida e nem mudança de rubrica, engessando suas ações. Com o marco
legal específico, haverá regras próprias para esse tipo de contrato, as quais
darão maior flexibilidade, bem como maior controle, o que resultará no
fortalecimento dessas organizações.
Algumas regras constantes do PL as OSCs já precisam
cumprir, como por exemplo: salários regulados pelo governo, não podendo
ultrapassar o teto constitucional do serviço público, que é de R$ 26,7 mil;
mudança nos estatutos das organizações que permitem distribuir entre a
diretoria as sobras de caixa; para projetos acima de R$ 600 mil, auditoria
externa e criação, no ministério que repassa a verba, de comissão para
monitorar a parceria; o patrimônio da ONG não poderá ser distribuído a seus
membros e, se ela fechar, esse patrimônio deverá ser repassado para outra
instituição.
Entre as novas exigências estão a de a diretoria
ser toda constituída por “fichas limpas”. Os dirigentes que já tenham alguma
condenação não poderão receber o dinheiro até oito anos após cumprir a pena.
Além disso, deverá haver uma auditoria externa para as contas e transparência
na informação das ações e dos gastos ao público.
Aliás, essas medidas poderiam valer para todos os
entes jurídicos que se utilizam de recursos públicos ou recebam concessões.
O PL já foi encaminhado à Presidência da República
para assinatura. Vamos pressionar para que ele seja aprovado pelo Congresso
Nacional ainda em 2013.
A importância do terceiro setor no país
De 2008 até hoje, as ONGs receberam do governo R$ 6
bilhões, distribuídos a mais de 8.000 convênios. Destes, 80% receberam valores
abaixo de R$ 600 mil, mas representaram 20% dos repasses. Por outro lado, 20%
dos convênios receberam quantias superiores a R$ 600 mil e representaram 80%
dos repasses.
Segundo a Abong, existem no Brasil, atualmente, 290
mil organizações do terceiro setor, 70% das quais sem empregados registrados.
Elas têm desempenhado um importante papel na história do país, seja na luta
pela redemocratização ou na defesa da cidadania e dos direitos difusos, seja em
experiências relevantes que resultaram em políticas públicas na área de saúde,
educação, meio ambiente, consumo e outros mais, complementando a ação do Estado
ou prestando serviços que ele não tem conseguido disponibilizar com eficiência.
Assim, o PL vai trazer segurança jurídica para a relação entre as OSCs e o
poder público.
Se queremos um desenvolvimento efetivamente
sustentável para a sociedade e para o país, precisamos reconhecer o trabalho
realizado pelas organizações da sociedade civil, permitindo distinguir as que
fazem um trabalho realmente sério daquelas que não o fazem.
Existe um outro tipo de relação que também é
importante para o desenvolvimento do país e que está fora desse marco legal: é
a relação das OSCs com o setor privado.
Um próximo passo será, portanto, contribuir para a
criação de incentivos fiscais que promovam o desenvolvimento de uma “cultura de
doação” no setor privado, seja para sustentar um projeto de assistência social,
seja para levar à frente a defesa de um direito de algum segmento da sociedade,
seja para financiar atividades artísticas e culturais
A cultura de doação é muito forte nos países
europeus e nos EUA. As grandes orquestras sinfônicas, os melhores museus do
mundo, os centros mais avançados de pesquisa, as universidades e incontáveis
projetos de assistência social são basicamente sustentados por doações da
iniciativa privada.
Fonte: fragmentos do texto de Paulo Itacarambi, vice-presidente
executivo do Instituto Ethos, publicado no portal do Instituto em 17/12/2012.